Goiânia/Niquelândia

“Calamidade financeira é um alerta formal sobre necessidade de ajuste rigoroso nas contas da Prefeitura de Niquelândia”, afirma ex-secretário de Finanças de Goiânia sobre decreto aprovado pela Alego

Para Jeovalter Correia Santos, respaldo conseguido pelo prefeito Eduardo Moreira junto aos deputados estaduais é “didático” para que moradores saibam da necessidade de adoção de medidas sérias de reequilíbrio fiscal nas contas públicas do município: no entanto, não garante recursos extras, não evita bloqueios judiciais para pagar precatórios e nem autoriza que LRF seja burlada durante os 60 dias da vigência do decreto

Dono de um respeitável currículo profissional na área fiscal e tributária em Goiás – inclusive tendo ocupado cargos públicos de destaque nas últimas duas décadas – o consultor em gestão pública Jeovalter Correia Santos concedeu uma entrevista exclusiva por telefone ao Portal Excelência Notícias na manhã desta sexta-feira/25, de seu escritório em Goiânia, para sanar as dúvidas da população de Niquelândia sobre os reais efeitos do decreto de calamidade financeira do prefeito Eduardo Moreira (Novo), que foi aprovado na última quarta-feira/23 no plenário da Assembleia Legislativa de Goiás, em Goiânia.

Validado por unanimidade pelo quórum mínimo de 21 deputados presentes (50% + 1, ou seja, maioria simples) dos 41 que compõe o parlamento goiano,  o decreto terá validade de 60 dias a contar da data de sua publicação (o que deverá ocorrer somente na próxima semana, segundo o prefeito), podendo ser prorrogado por igual prazo, se necessário, também com autorização da Alego.

Como se sabe – no último dia 11 de março, através de uma auditoria externa – o atual chefe do Executivo foi ao Poder Legislativo e apontou que a dívida total do município ultrapassa R$ 610 milhões, sendo 284% superior à arrecadação total do município no ano passado.

Por ocasião da conversa, o consultor procurou estabelecer, com clareza, as principais diferenças entre os princípios que regem a situação de calamidade pública e de calamidade financeira, que são bem distintas entre si.

De acordo com Jeovalter, configura-se situação de calamidade pública num Estado ou no âmbito de um determinado município em função da ocorrência de fenômenos naturais como a chuva que resultou no desastre provocado pela enchente no Rio Grande do Sul no ano passado, que devastou inúmeras cidades e provocou a morte de 184 pessoas.

“Esse decreto (de calamidade pública) é uma possibilidade que tem efeitos práticos – inclusive em relação ao repasse de recursos do governo federal –  por conta da situação emergencial. Já o decreto de calamidade financeira não tem esse efeito”, explicou Jeovalter.

Sempre de acordo com o consultor, alguns municípios têm declarado calamidade financeira com base no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de forma errônea, para descumprir ordem cronológica de pagamentos; realizar contratações sem licitação; e fazer uso dessa situação supostamente emergencial como argumento para deixar de realizar um controle rigoroso de gastos com pessoal.

“A LRF não pode ser burlada. Por isso, as possibilidades previstas nesse artigo se aplicam para os casos de calamidade pública, mas não se aplicam à situação de calamidade financeira da Prefeitura de Niquelândia, até porque o TCM já colocou essas mesmas ressalvas no despacho que embasou a decisão do plenário da Alego. Embora o decreto tenha sido aprovado, seu efeito é apenas no campo da transparência e não suspende nenhuma exigência (da LRF), sendo meramente didático: é uma forma do atual gestor evidenciar os problemas herdados e mostrar que a situação do município é realmente grave”, detalhou Jeovalter.

Segundo ele, embora a medida seja inócua sobre a possibilidade de receber recursos da União (o governo federal), o decreto de calamidade financeira pode reverberar positivamente também no campo político (tirando o debate dessa esfera, em que tudo pode ser dito, sem provas concretas) como uma forma de apelo para despertar sensibilidade no sentido de que o Governo de Goiás possa se mostrar disposto a ajudar a Prefeitura de Niquelândia com recursos para determinada obra, embora não exista obrigação legal de fazê-lo, como ocorre na calamidade pública.

“Mas, como eu disse, em termos de operações de crédito, por exemplo, a CAPAG (Capacidade de Pagamento) do município continua sendo um entrave. Se ela estiver baixa, o município não pode tomar empréstimos com garantia da União; e o decreto aprovado pela Alego não muda isso”, exemplificou Jeovalter.

Outro ponto apontado pelo consultor versa sobre os pagamentos de precatórios, em função de processos judiciais contra a Prefeitura de Niquelândia.

Segundo Jeovalter, o decreto de calamidade financeira não tem o poder de impedir que as contas do município sejam alvo de bloqueios judiciais, uma vez que essas obrigações são reguladas por dispositivos constitucionais. “A medida não tem eficácia para suspender isso”, resumiu.

Sobre a comparação, feita no relatório do TCM, de que a situação financeira da Prefeitura de Niquelândia seria – mantidas as devidas proporções – pior do que a encontrada em Goiânia pelo prefeito Sandro Mabel, Jeovalter Correia classificou a comparação como sendo mero “elemento de narrativa” do TCM à resposta encaminhada para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Alego.

Jeovalter ambém esteve à frente da extinta Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos (AGANP) durante o mandato do então governador Alcides Rodrigues [Foto: Divulgação]
Segundo o consultor, Sandro Mabel – após as eleições, ainda na condição de prefeito eleito – criou uma Comissão de Transição que apontou uma dívida de R$ 4 bilhões que seria herdada da gestão do então prefeito Rogério Cruz, o que depois não se confirmou totalmente, já que a situação de calamidade financeira da Prefeitura de Goiânia foi reconhecida parcialmente pela Alego, apenas na Secretaria de Saúde da capital.

“Criou-se, em Goiânia, uma narrativa de terra arrasada. O prefeito (Sandro Mabel) usou o decreto como forma de justificar a situação herdada. O mesmo vale para Niquelândia. Mesmo com o decreto de calamidade financeira, o prefeito (Eduardo Moreira) não vai receber um centavo a mais da União só por causa disso. O prefeito pode até buscar recursos, pode sensibilizar deputados, senadores, ministros. Mas isso não muda o fato de que ele, ao chegar em Brasília, os ministros já sabem tudo sobre a situação fiscal do município; e têm os técnicos do Tesouro Nacional ao lado, com todas as certidões negativas ou positivas em mãos”, comentou Jeovalter.

Sempre de acordo com o consultor, muito embora o prefeito Eduardo Moreira tenha de trabalhar muito para conquistar novamente o acesso às certidões negativas (principalmente em função das dívidas monstruosas com o INSS, hoje acima dos R$ 270 milhões), é importante lembrar que a Prefeitura de Niquelândia perdeu sua principal base econômica a partir de janeiro de 2016, quando a Votorantim Metais paralisou definitivamente as operações de extração e beneficiamento de minério de níquel.

Jeovalter também apresentou alguns números bem interessantes sobre a Prefeitura de Niquelândia. Segundo ele, a despesa com o funcionalismo público saltou de R$ 51,1 milhões em 2013 para R$ 84,5 milhões em 2024 — um crescimento de 65,3% –  sem que houvesse reajuste suficiente para os servidores municipais.

No campo das receitas, explicou Jeovalter, a receita corrente líquida da prefeitura era de R$ 104,1 milhões em 2013. Em 2024, chegou a R$ 207 milhões, ou seja, um crescimento de quase 100% (99,33%).

“Todavia, a inflação nesse período foi de 134%. Ou seja, a receita do município cresceu menos que a inflação dos últimos 11 anos. Houve perda de receita real de 35,37%. Ou seja, se a receita tivesse acompanhado a inflação, o município teria 35% a mais de arrecadação hoje. Isso faria toda a diferença nas contas públicas da cidade. Por isso, é sempre importante contextualizar essas informações com o decreto (de calamidade financeira); para mostrar aos credores que o município está sem caixa; para informar ao servidor público que não é possível a concessão de nenhum reajuste salarial por agora; e para comunicar a população em geral, na forma de um alerta institucional, que haverá necessidade de adoção de medidas sérias reequilíbrio fiscal nas contas da Prefeitura de Niquelândia”, sintetizou Jeovalter Correia.

QUEM É JEOVALTER CORREIA – Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade do Estado de Goiás (UEG), especializado em Análise e Auditoria Contábil, Controladoria e Perícia pela (PUC/CRC) e Administração Tributária pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Jeovalter foi secretário de Finanças da Prefeitura de Goiânia de maio de 2014 a junho de 2016, durante a gestão do ex-prefeito Paulo Garcia (falecido em 2017).

Antes disso, durante o primeiro mandato do então governador Marconi Perillo (PSDB), Jeovalter presidiu o Instituto de Assistência dos Servidores Públicos de Goiás (Ipasgo) entre novembro de 1999 e dezembro de 2001; e também esteve à frente da extinta Agência Goiana de Administração e Negócios Públicos (AGANP) de 2005 a 2007 e, posteriormente, de 2008 a 2010 (durante o mandato do então governador Alcides Rodrigues).

Jeovalter Correia Santos, ex-secretário de Finanças de Goiânia, conversou com o Excelência Notícias sobre o decreto de calamidade financeira da Prefeitura de Niquelândia [Foto: Divulgação]

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